terça-feira, 6 de setembro de 2011

A "Saída" dos Orixás



Então chegou o momento que Olorun determinou que os seus filhos e filhas Orixás iniciassem a saída de sua morada interior e começassem a ocupar sua morada exterior.
A Oxalá coube a primazia, porque ao sair, ele que é o espaço em si mesmo, cria­ria o meio ou o espaço indispensável para que os outros Orixás pudessem se deslocar e dar início à concretização de sua morada exterior com a criação dos mundos que seriam ocupados pelos seres espirituais.
Não foi fácil para nenhum dos Orixás deixar de viver na morada interior, no ín­timo do Divino Criador Olorun.
Para Oxalá foi mais difícil ainda, porque ele, o primogênito, iniciaria a saída. Quan­do se viu diante do portal de saída, virou-se e contemplou mais uma vez o rosto de Olorun que o contemplava com os olhos fixos e sérios, como a dizer-lhe: “Vá em frente, meu filho! Eu sou você por inteiro e você é parte de mim.”
Oxalá olhou cada um dos seus irmãos e irmãs divinos, e dos olhos deles corriam lágrimas.
Ele curvou-se, cruzou o solo divino que ainda pisava, tocou-o com a testa, beijou-o, e dos seus olhos caíram lágrimas que cintilaram ao tocá-lo.
E ali suas lágrimas ficaram incrustadas no solo, como uma marca de sua partida. E, em cima dele muitas outras lágrimas haveriam de ser derramadas pelos outros Orixás, a medida que fossem partindo.
Oxalá levantou e virou-se novamente para o portal. E, já resoluto, avançou por ele com passos firmes mas, a medida que foi saindo, seu corpo explodiu e um clarão ofuscante que se projetou no infinito, clareando em volta da morada exterior do nosso Divino Criador Olorun.
E Oxalá curvou-se após ter dado o primeiro passo e cruzou o espaço à sua frente. Então levantou, já não tão ereto como quando saíra, deu um segundo pas­so e aí se curvou e cruzou o espaço à sua frente pela segunda vez... e quando Oxalá se curvou pela sétima vez e cruzou o es­paço a sua frente, já não conseguiu se levantar senão só um pouco, e ainda assim porque apoiava-se em seu cajado, que é o eixo sustentador do mundo manifestado, denominado paxorô.
Ele voltou-se na direção em que fica­va a sua morada interior e já não a viu, pois o que viu foi o espaço vazio in­fi­nito em sua volta. E ele olhou para toda a sua volta e não viu nada além do espaço vazio.
Então, o peso da sua responsabilidade foi tanto, que ele caiu de joelhos e com a voz embargada emitiu essas frases:
- Pai, por que fez isso comigo se o amo tanto?
- Pai, por que separou-me de você, se me sinto parte do senhor?
- Pai, sem o senhor eu sou o que vejo em minha volta, nada, meu pai amado!
- Por que, meu pai amado?
E Oxalá, de joelhos e apoiado em seu cajado, chorou o mais dolorido pranto já ouvido desde então na mo­rada exterior. E todos os outros Orixás, que es­tavam do lado de dentro da morada interior e o viam a apenas sete passos do portal de saída, emo­cio­naram-se tanto com o pranto dele, que também se ajoelharam e chora­ram o mais sentido dos cho­ros, pois tanto choraram a angústia dele quan­to a que sen­tiam, porque tam­bém teriam que deixar a morada interior.
Olorun, vendo todos os Ori­xás ajoelhados e chorando, ordenou:
- Meu filho Ogun, o espaço já existe na minha morada exterior. Agora é sua vez de levar para ela o seu mistério e abrir os caminhos para que seus irmãos e irmãs possam segui-los em segurança o viven­ciarem os destinos que reservei para cada um. Siga sempre em frente, pois já existe um caminho feito por mim e trilhado por Oxalá. E, ainda após você dar o sétimo pas­so só veja o espaço infinito em sua volta e nada mais, no entanto, onde seu pé direito pousar no seu sétimo passo, ali se iniciará o caminho que o conduzirá até onde ele se encontra agora.
- Meu amado pai Olorun, eu vejo meu amado irmão bem ali, ajoelhado diante do portal de saída dessa sua morada, meu pai!
- Ogun, assim que você der o primeiro passo depois da soleira desse portal você só verá o vasto e infinito espaço vazio, à sua volta. Não titubeie pois só encontrará o caminho que o levará até Oxalá, caso de sete passos resolutos, meu filho.
- Assim diz o meu pai e meu Divino Criador Olorun, assim farei, meu pai ama­do!
E Ogun despediu-se e cruzou o portal de saída. E quando deu o primeiro passo e olhos à sua direita e à sua esquerda e na­da viu além do espaço ainda vazio, mas infinito em todas as direções, um tremor percorreu-lhe o corpo de cima para baixo. Mas ele continuou a caminhar.
E ao dar o sétimo passo com o seu pé direito, Ogun ajoelhou-se e cruzou o espaço vazio diante dos seus pés. E cruzou o espaço acima da sua cabeça; e cruzou o espaço a sua frente; e cruzou o espaço a suas costas; e cruzou o espaço a sua direita; e cruzou o espaço a sua esquerda... e viu seu irmão Exu, que deu uma gar­ga­lha­da e, à guisa de saudação, falou-lhe:
- Ogun, meu irmão! Que bom vê-lo aqui do lado de fora da morada do nosso pai e nosso Divino Cria­dor Olorun! Por que você demorou tanto para sair?
- Exu,é bom revê-lo, meu irmão! O que você faz por aqui?
- O que eu faço por aqui?
- Foi o que lhe perguntei, Exu.
- Eu já ando por aqui há tanto tempo, que eu nem sei a quanto tempo eu ando por aqui, sabe?
- Não sei não. Explique-se, Exu!
- Ogun, lá vem você com seus pedi­dos de explicação de novo!
- Explique-se, está bem?
- Já que você insiste, digo-lhe que é por causa do fator adiantador que gero, sabe?
- Não sei não, Que fator é esse?
- Bom, até onde eu já sei, ele faz com que eu chegue sempre adiantado nos acontecimentos e este é um acon­te­cimento e tanto, não?
- Que é um acontecimento e tanto, disso não tenho dúvidas. Mas, como você chegou aqui, se só Oxalá havia saído?
- Ah, Oxalá passou por aqui mas, como ele estava muito triste e derramando lágrimas, eu achei melhor ir até ele quando ele deixar de derramar lágrimas. Afinal, eu gero o fator hilariador, não o entristecedor, sabe?
- Já estou sabendo... porque Exu ri até sem motivos.
- Ogun, a falta de motivos para se rir é algo hilário, ainda que muitos pensem o contrário. Mas, se irmos atrás dos motivos da falta de risos, aí vemos que é algo tão tolo, que se torna hilário.
- É se Exu está adiantado e diz isso, então você já sabe de algo que logo des­cobrirei, certo?
- Foi o que eu disse, Ogun.
- Então Oxalá não tinha nenhuma ra­zão para sentir-se tão triste e angustiado. É isso, Exu?
- Não mesmo Ogun! Logo logo, isso aqui estará fervilhando, de tantos seres que estão à espera da concretização dos mundos que todos os que ficarem na mo­rada interior desejarão vir para cá. E isto aqui estará tão cheio, que muitos desejarão retornar à ela, sabe?
- Ainda não sei, mas, se você, que chegou aqui antes do espaço existir, e não sei como, está dizendo, então logo saberei.
- E então, para onde você está indo, Ogun meu irmão à minha direita?
- Vou até onde está Oxalá, Exu.
- Posso acompanhá-lo?
- Pode sim, com você ao meu lado esquerdo, creio que não me sentirei tão só, não é mesmo?
- Se é Ogun! Comigo no seu lado esquerdo ninguém nunca se sentirá só.
- Então vamos, Exu. Já vejo o caminho que conduz até Oxalá.
- Você vai seguir os passos dele?
- Vou, Exu.
- Você não quer seguir por uma caminho alternativo que é mais curto?
- Caminho alternativo? Que caminho é esse?
- É um atalho, um desviozinho! Mas leva até ele do mesmo jeito, certo?
- Errado, Exu! Atalhos ou desvio­zinhos podem levar a muitos lugares, mas nunca levarão alguém até Oxalá ou qual­quer outro lugar, pois todos eles levam aos seus domínios, que estão localizados na vazio. Isso sim, é certo!
- Tudo bem que isso é certo. Mas uma passadinha nos meus domínios não faz mal a ninguém, sabe?
- Não sei e não quero saber. Quem quiser que siga seus convites. Vamos?
- Vamos para onde?
- Ao encontro de Oxalá, oras!
- Não, não!
- Por que não?
- Esse caminho que leva a Oxalá é muito reto, é retíssimo mesmo! E Exu só trilha caminhos tortos ou tortuosos, sei lá!
- Até a vista, Exu!
Ogun seguiu o caminho que conduzia até Oxalá. Logo chegou onde ele estava. Após saudá-lo cruzando o solo e o espaço à frente dele, levantou-se e os dois abra­çaram-se.
Então ficaram no aguardo da chegada dos outros Orixás que não demoraram a chegar. E quando passou muito tempo sem mais nenhum outro aparecer, inicia­ram suas funções de poderes criadores na morada exterior do nosso Divino Cria­dor, gerando essas e muitas outras lendas sobre eles, que contaremos em outro livro.

Texto extraído do livro
“Lendas da Criação - A saga dos Orixás” de Rubens Saraceni, Editora Madras.
 Pai Rubens Saraceni.

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